Tão atual que vai te assustar!
Você gosta de distopias? Se sim, creio que Dissidentes vai te deixar ainda mais imerso do que os outros livros famosos do gênero, e por dois motivos principais. 1) A história se passa num Brasil contemporâneo e altamente fiel à realidade e 2) as questões políticas e sociais abordadas são tão similares ao que vivenciamos nas eleições deste ano de 2018 que ficamos com a impressão de que o autor o escreveu apenas durante o período eleitoral, e não num período de dois anos (como de fato ocorreu).
O ponto de partida do livro é o suicídio do Presidente da República. Logo depois, o mesmo ocorre a seu vice-presidente e ao terceiro homem na linha sucessória. Com isso, fica difícil achar alguém que aceite o cargo, mesmo que provisoriamente, e o Brasil chega a ficar alguns dias sem qualquer presidência. Então, como medida emergencial, o Exército toma o comando do país, através da figura do General Rostreaou.
Esta primeira parte do livro é narrada por Raposa, codinome usado por um ladrão que acaba virando suspeito dos ‘suicídios’ por estar no lugar errado, na hora errada. Com isso, ele procura por uma amiga do passado. Amarada, que tem dons especiais, pede que ele encontre um objeto. Logo depois, o advogado de Raposa pede um favor escuso ao ladrão, que por dever favores a ele se vê obrigado a realizar o pedido.
É aí que o pedido do advogado e o de Amarada acabam por se encontrar. E Raposa, apesar de alheio à política do país, se vê diante de uma conspiração antiga com o fim de acabar com os detentores da quarta percepção (pessoas capazes de praticar magia).
Outros membros são adicionados ao grupo de Raposa e Amarada — que começa a ser chamado pela população de DISSIDENTES — , aparentemente deslocados sociais. Mas, ao contrário do que se diz, aqui aocasião não faz o ladrão, mas sim o herói.
Um ladrão (Raposa), um assassino (André), uma adolescente que cresceu na pobreza de uma comunidade (Áshia) e seus outros aliados são agora a única esperança de pôr fim ao regime totalitário regente.
"Mas então não é tão parecido assim com a realidade, afinal não vivemos tempos tão sombrios", é o que você deve estar pensando nesse momento.
De certa forma você está certo. Mas o que condiz plenamente com a realidade aqui é a condição social do nosso país, o modo como o governo lida com o povo — bem a la Michael Jackson (“We don’t really care about us”) — , e também as discussões e ditos pontos de vista que presenciamos na época das eleições, além de uma certa descrença no futuro político do país, como no trecho:
“Eu passei minha vida dizendo ‘fascistas não passarão’ e eles continuaram passando. A gente gritava que não teria nenhuma a menos, e a cada dia tinham menos de nós. Por fim, gritamos que eles nunca iriam nos calar e fizeram isso com tiros… Muito sangue já foi derramado. Não existe final feliz, garotinha, não quando nossa terra serve de cova para os inocentes.”
E este não é o único elemento de imersão. Ele já faria dele um livro marcante, mas ainda nos deparamos com a rica mitologia indígena brasileira. Nomes conhecidos — ou nem tanto como deveriam — como Tupã e Jaci são citados e bem desenvolvidos.
Sem falar na conexão feita entre os deuses nacionais e os estrangeiros.
Um dos elementos que mais me cativaram, dentre essa mitologia, no entanto, foi a Senhora da Seca e seu papel essencial na trama. Além disso, todo o histórico de Tupã tanto as partes dadas pela mitologia original quanto as criadas para o livro — são de tirar o fôlego. Um prato cheio para os amantes de mitos.
E como se não bastasse, olha essa arte do livro: capa dura, ilustrações e diagramação pra ninguém botar defeito!
Contada por três narradores-personagens — Raposa, André e Áshia — , Dissidentes foi um dos meus grandes achados do ano em Literatura Nacional. E se preparem, ano que vêm, em algum momento, vou ler e resenhar A Província dos Ursos de Vento, outro título do autor José Beffa.
E confira o que estão falando sobre o livro: